sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Educação: Uma Reforma Falhada

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O governo prometeu que a sua prioridade seria educação, educação, educação. No entanto o que o que diversos relatórios estão a tornar claro é que este será o governo que não conseguiu deixar em paz aquilo que estava bem. Trata-se de uma conclusão sobre a influência do governo de Sócrates na educação portuguesa? Não. Estas são as conclusões de diversos relatórios sobre o estado da educação no Reino Unido.
O maior inquérito realizado nos últimos 40 anos sobre o ensino básico em Inglaterra concluiu que o controle centralizado das escolas teve um efeito devastador na educação das crianças. As directivas ministeriais impediram os professores de agirem espontaneamente e daí resultou um declínio da qualidade de ensino. Teria sido melhor, concluiu a Universidade de Cambridge, deixar tudo como estava em vez de se terem implementado as políticas Trabalhistas.
Os quatro relatórios publicados hoje (29 de Fevereiro) são os últimos de uma série de 18 que retratam um quadro preocupante de interferência na sala de aulas através da obsessão de testar e do desejo de ditar minuciosamente as práticas lectivas.
O que estes relatórios dizem é que a influência estatal na sala de aulas tem aumentado desde 1997 de tal forma que as escolas básicas estão agora sujeitas a uma “teoria estatal do ensino” em que os professores têm que leccionar os programas de acordo com métodos definidos superiormente pelo ministério (desde 2006).
A qualidade do ensino, em Inglaterra, diminuiu nos últimos 20 anos tendo-se os professores tornado numa espécie de “treinadores” para testes de aferição. As escolas devem estipular cinco horas semanais de actividades culturais, cinco horas de desporto, e incluir clubes de tempos livres. Contudo, a lição que se retira do último relatório é que a escola precisa de menos interferências e mais autonomia.
Em resultado de tudo isto, um dos relatórios conclui que a interacção entre professores e alunos foi negativamente afectada por uma política que centralmente decidiu como os professores devem ensinar (inglês e matemática). Os professores perderam a capacidade de iniciativa agora, tendo passado toda a capacidade de iniciativa para Whitehall.
A introdução do ranking das escolas e de testes de aferição nas disciplinas de língua materna (inglês) e matemática levou a um “estreitamento” do curriculum pois as escolas apostam mais nestas áreas em detrimento de outras igualmente importantes, como as ciências.
Nos últimos anos tem havido melhores resultados nas provas de aferição de matemática e língua materna mas isso só acontecerá porque no inicio os professores não sabiam preparar os alunos para estas provas mas, têm vindo a aperfeiçoar as suas competências no treino para estas provas, ou seja, a melhoria dos resultados não espelha uma melhoria efectiva da qualidade do processo de ensino-aprendizagem.


Num momento em que em Portugal tanto se fala da educação é curioso verificar que lá, como cá, a falta de confiança no trabalho dos professores, a vontade de controlar o curriculum e as aprendizagens e, ainda, o sub-financiamento da educação podem levar à obtenção de resultados inversos àqueles que se pretendem atingir e a um empobrecimento da qualidade da educação. Lá como cá, o governo procura seguir a sua política indiferente a críticas prosseguindo objectivos que mais do que a melhoria da Educação visam a melhoria das estatísticas sobre a educação.

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Ver artigos do The Independent ; The Guardian

Ver também post de Pedro Barroso no Sorumbático

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Longe da vista ...(1)

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Bairro da Jamaica (Vale de Chícharos), Fogueteiro, Amora

Este é o lado escondido do Seixal, o lado que o Boletim Municipal não publicará nunca.
O facto, de este "bairro" ser invisível da estrada principal ajuda a que tudo continue na mesma. Nem a preocupação dos habitantes do Fogueteiro, nem as pressões políticas, foram suficientes para acabar com este bairro terceiro mundista.

...longe das preocupações da câmara do Seixal.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

1 Imagem = 1000 Palavras


Moinho do Breyner - Fevereiro 2008
Imóvel de Interesse Público desde 1984
(DR 145 de 25-06-1984)
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Link do IPPAR

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Urbanismo: que espaços para a Juventude?


Um relatório recentemente publicado no Reino Unido da autoria da Children's Society analisa as atitudes dos jovens para com os amigos, a família e o ensino.

Os jovens apreciam os amigos, querem famílias estáveis e esperam que a escola os apoie e não permita o “bullying”. Daqui não advém grande surpresa.

O que é surpreendente é que muitos jovens não se sentem bem-vindos aos espaços públicos, por vezes devido à presença dos gangs mas também, devido à presença de adultos agressivos que os hostilizam. Andar em grupos é a resposta de muitos jovens para esta insegurança. O facto, de não haver locais onde se possa jogar só, intensifica este problema. As queixas de falta de segurança, nos espaços públicos por parte dos jovens, são recorrentes. Os locais que lhes são destinados são poucos, não estão convenientemente dotados e nem sempre são de fácil acesso.

Os jovens apreciam “ter o seu cantinho” tanto em casa como na rua. Nesta procura de espaço livre de adultos insere-se o recurso à comunicação via Internet, aos indispensáveis telemóveis, e aos jogos de computador. O facto, de não se sentirem à vontade no espaço (exterior) leva-os a um cada vez maior isolacionismo no interior das suas casas.

Os espaços abertos são valorizados pelos jovens mas, o crescimento urbano criou paisagens nas quais as pessoas não querem estar. Um ambiente hostil e descuidado potencia o vandalismo e a criminalidade pelo contrário, paisagens cuidadas e dignificadas inspiram a confiança e a segurança bem como o orgulho de pertencer a uma comunidade.

Lendo este relatório não podemos deixar de nos interrogar sobre os espaços destinados aos jovens no concelho de Seixal. A oferta é claramente insuficiente. Por um lado, alguns "largos" são de um cinzentismo que os torna impróprios para o lazer e para o convívio. Por outro lado, os relvados dos “parques” existentes não se prestam como espaços lúdicos nem foram concebidos para esse efeito. Os locais onde se pode efectivamente jogar/conviver são (muito) poucos e frequentemente tornam-se “propriedade” de um grupo que dele se apropria indevidamente, ou que na impossibilidade de o tornar seu, o vandaliza. Os próprios espaços verdes emoldurados por bancos de jardim se tornam locais de potencial conflito entre os mais jovens e os mais velhos (uns querendo jogar/brincar outros, querendo sossego).

Também aqui, os jovens são empurrados para casa ou para o centro comercial único local onde encontram lugar para as suas deambulações em segurança.

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Para uma abordagem mais abrangente sobre esta temática no concelho de Seixal, ver aqui.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Seixal Virtual - Seixal Real (2)

Em concelhos como o Seixal em que o partido comunista se instalou no poder local temos um curioso misto de concepções arquitectónicas do realismo socialista e, de cedências aos interesses imobiliários e especulativos. Assim, em lugar da planificação e homogenização, características de cidades como Nova Huta, temos cidades que cresceram ao sabor do mercado imobiliário, por vezes até na clandestinidade, sem centralidades. O que sobra, da arquitectura socialista, é uma certa concepção de cidade-jardim patente nas amostras do Parque Urbano da Paivas ou do passeio ribeirinho : espaços relvados, perfeitamente definidos, e que reflectem uma vontade de dominar a natureza através de uma selecção (restritiva) de espécimes vegetais e de um mobiliário urbano moderno. Estes espaços valem, sobretudo, pela sua fotogenia.




Incapazes de aplicar na prática a « arquitectura socialista » procuram-se, para as fotografias, espaços perfeitamente localizados que de algum modo correspondam a esse ideal estético : transmitir o poder e a persistência do trabalho autárquico e determinar a consciência colectiva das massas (mesmo que para isso se tenham de abandonar ou derrubar construções que não se enquadram no padrão da ordem social que se pretende criar). O reduzido número de locais onde é possível encontrar estes elementos explica a sucessão de imagens tiradas sempre nos mesmos locais em perspectivas ligeiramente diferentes.
Mais uma vez, o fascínio pelo « urbano » enquanto espaço moderno e progressista leva ao desprezo pela natureza e, por tudo, o que seja entendido como fazendo parte da « velha ordem».

domingo, 24 de fevereiro de 2008

A Rotunda




Atente-se nesta rotunda: ao centro ergue-se a figura majestosa do nosso primeiro rei. A cavalo? Não, a galo!!
O rei mais parece um Pin&Pon custa encontrar semelhanças com o Afonso Henriques que se distinguiu lutando, contra os mouros, para alargar território, ao mesmo tempo que, enfrentava Afonso VII para tornar Portugal um estado independente.
Que dizer desta forma de representar o nosso primeiro rei? Olhando-o, é o riso do ridículo da figura montada “a galo” que nos assalta o espírito. Oh, riso?!... riso de gozo, incontestavelmente. Só depois, se identifica o "galo de Barcelos" que surge, aparentemente, como símbolo do território de Portugal. Mas, nessa altura já o riso tomou conta da rotunda.



No mesmo concelho onde partes do passado e da memória colectiva se desfazem ao sabor das ideologias e dos apetites dos “patos bravos” a estátua de Afonso Henriques aparece infantilizada sobre um galo de Barcelos. Será por acaso?

Independência do Kosovo, uma inevitabilidade?




Os Balcãs ficaram conhecidos por serem o “barril de pólvora” da Europa. Os conflitos sucederam-se ao longo do último milénio, mais ou menos sangrentos mas quase ininterruptos. Encruzilhada de povos e religiões, os Balcãs têm sido uma região destabilizadora da paz europeia.
Ao anunciar a independência do Kosovo, o primeiro-ministro Hashim Thaci, declarou que o Kosovo passaria a pertencer à grande família europeia. Mas, como em todas as grandes famílias existem conflitos de interesses. E se alguns estados membros da EU vêem com bons olhos a independência do Kosovo, outros há que a olham com desconfiança e preocupação.



A independência do Kosovo é para todos os estados (dentro e fora da EU) que têm problemas de coesão interna uma má notícia: Espanha, Roménia, Polónia, Turquia, Rússia, China… para não falar da revolta na própria Sérvia. Por outro lado, esta janela de oportunidade está a ser observada atentamente por todos os que se sentem estrangeiros na sua própria terra.
Á medida em que as celebrações esmoreceram, aumentou o debate em torno da legitimidade desta independência. De facto, ainda se tem de jogar muito no campo diplomático para chegar a um ponto de equilíbrio até porque o próprio estado kosovar tem tamanhas debilidades económicas e sociais que se questiona a sua viabilidade.
Em Belgrado, os ânimos estão exaltados e nas ruas os protesto e os motins têm-se sucedido. E se a distância nos confere alguma frieza de apreciação não nos deveremos esquecer que nos Balcãs as memórias dos massacres ainda estão frescas e que as vítimas (de ambos os lados) têm faces e nomes que todos lembram, tornando mais difícil a reconciliação e o compromisso.
No caso dos Balcãs a geografia, história e, a religião parecem conspirar para um estado de permanente conflito. A convivência milenar entre as comunidades em lugar de ter proporcionado a integração e a tolerância criou divisões profundas e inultrapassáveis que se têm repetido, fatidicamente, em quase todas as gerações tornando o diálogo um exercício penoso e frequentemente infrutífero. O conflito nesta região não se apagará com uma declaração, nem deixaria de existir se tudo continuasse como antes - talvez, a independência fosse de facto inevitável.

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Slideshow sobre a história recente do Kosovo (em inglês).

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Sobre o Esquecimento


"Os espectros dos monumentos derrubados erravam em volta do estrado e o Presidente do esquecimento estava na tribuna com um lenço vermelho ao pescoço. As crianças aplaudiam e gritavam o nome dele.

[...]

Dizia: Vós, crianças, sois o futuro, e hoje sei que essas palavras tinham outro sentido, diferente do sentido imediato. As crianças não são o futuro por serem adultos um dia, mas porque a humanidade se vai aproximar cada vez mais da criança, porque a infância é a imagem do futuro.


Exclamava: Meninos, nunca olhem para trás, e isto significava que nunca devemos tolerar que o futuro ceda sob o peso da memória. Porque as crianças também não têm passado e é esse todo o mistério da inocência mágica do sorriso deles.


A História é uma sequência de mudanças efémeras, e os valores eternos perpetuam-se no exterior da História, são imutáveis e não precisam de memória. Husak é presidente do eterno, não do efémero. Está do lado das crianças e as crianças são a vida e viver é ver, ouvir, comer, beber, urinar, defecar, mergulhar na água e olhar o céu, rir e chorar.

Parece que quando Husak acabou de falar às crianças (...) Karel Gott avançou para o estrado e começou a cantar. (...) Nesse momento, o grande milagre do arco-íris desenhou a sua curva acima de Praga.

[...]

O idiota da música acabava a canção e o Presidento do esquecimento afastou os braços e começou a gritar: Meninos, viver, é a felicidade."


M. Kundera, O Livro do Riso e do Esquecimento

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

"Não existem referências sobre o valor do espaço..."


Mas valeria a pena procurá-las, não?

A Quinta do Rouxinol e a Quinta da Arrentela fizeram parte do complexo portuário dos esteiros do Tejo ainda durante a ocupação romana[1]. No caso da Quinta do Rouxinol podemos inferir que foram as ânforas aí fabricadas que constituíram o maior foco de atracção mas sobre a “Arrentela” ainda temos muito a estudar.
Faria notar que a ocupação histórica deste local (Arrentela/Seixal) está documentada desde a antiguidade como ligada a actividades portuárias (que estiveram na origem destes aglomerados urbanos). Assim, a pretensão de ver o local ser objecto de um estudo não é despicienda. Só a pressa de destruir para mostrar “obra” feita e, o desprezo pelo conhecimento podem escamotear com ligeireza a probabilidade de naquele local poder existir informação válida. Ora, a recente demolição e os trabalhos em percurso, fazem recear pela destruição de vestígios arqueológicos existentes no subsolo da área envolvente do estaleiro da Quinta da Fidalga.
Esperar-se-ia outro sentido de responsabilidade por parte da autarquia[2].

[1] Vide: Maria Luísa Pinheiro Blot
Os portos na origem dos centros urbanos: contributo para a arqueologia das cidades marítimas e flúvio-marítimas em Portugal, IGESPAR.
[2] Sobre a destruição do estaleiro da Fidalga veja no blog Baía do Seixal

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Memória de uma Europa em Guerra




Aristides Sousa Mendes, último retrato de Aristides, na Av. da Liberdade, dias antes de falecer (1954)



Aristides de Sousa Mendes é um daqueles heróis que se impõe pela dimensão da sua coragem. Aristides de Sousa Mendes, o português tranquilo, salvou dos campos de concentração e da morte milhares de pessoas de todas as idades e condições. Para melhor compreendermos a dimensão da sua grandeza no contexto da sua época, visite aqui o Museu Virtual.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Sementes de Violência 2

Também aqui, qualquer comentário estaria a mais.


Um filme para celebrar o Direito à Memória

Prisioneiros polacos capturados pelo Exército Vermelho

Um dos candidatos ao Óscar para melhor filme estrangeiro é Katyn, do polaco Andrzej Wajda.
Trata-se de um filme sobre uma das maiores tragédias da história polaca (que, como se sabe, é fértil em momentos terríveis). Katyn, conta a história do massacre de de 22 000 oficiais do exército polaco pelo Exército Vermelho, sob as ordens de Joseph Estaline, 4 000, dos quais foram fuzilados na floresta de Katyn, no início da II Guerra Mundial.
Wajda, filho de um dos oficiais que pereceu nessa floresta, evoca um tema absolutamente tabu nos tempos do comunismo. Tão absolutamente tabu, que o simples facto de ser descendente de um destes oficiais interditava a frequência das Universidades.
O Exército Vermelho entrou na Polónia 17 dias depois das tropas nazis (17 de Setembro). A Polónia, foi então engolida pelo exército alemão, a oeste, e pelo soviético, a leste. Estava então em vigor o pacto germano-soviético. Após a ruptura deste pacto em 1941, os alemães, ao avançarem para leste descobriram e revelaram o crime soviético na floresta de Katyn. No entanto, durante décadas a versão oficial dos factos foi a de que estes oficiais teriam sido mortos pelos alemães. Durante décadas a verdade só podia ser dita à “boca pequena” por receio de represálias.

Os factos relativos a este massacre são conhecidos e inegáveis mas só puderam ser estudados a partir de 1989, quando Gorbachtov permitiu a consulta das ordens de Estaline dirigidas a Beria para que este assassinasse os oficiais capturados (ver documentos ).
Katyn, o filme, representa uma oportunidade de compreender não só a história da Europa, e a destruição das elites perpetrada por Moscovo, mas também as mentiras que a propaganda e a ocultação deliberada da história permitem criar.
Reescrever e "branquear" a História é uma tentação. Melhor que justificar é, ocultar e distorcer. O crime da floresta de Katyn é exemplo extremo, mas que merece reflexão. Tal como merecem reflexão as intenções que estiveram subjacentes ao pacto germano-soviético celebrado em 1939.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

A Democracia e o Admirável Mundo Novo da Comunicação

A Democracia e o Pluralismo mais do que palavras, são práticas. Como todas as práticas decorrem do hábito e demoraram a criar raízes e a cimentar. Hoje, como no passado, o controle da informação é central para a manutenção do poder (ver pdf do relatório dos RSF2008). A emergência de novos e mais rápidos meios de comunicação/informação, designadamente, da Internet trouxe novos desafios a todos os intervenientes que se adaptam como podem à nova realidade.


A China, com os seus 210 milhões de cibernautas prepara-se para substituir os EUA na liderança do ciberespaço. O número de pessoas com acesso à “net” aumenta em 6 milhões todos os meses, dez vezes mais depressa do que acontece nos EUA. Assim, não é de estranhar que as autoridades chinesas se empenhem a controlar os cibercafés, e a procurar a origem das notícias que escaparam à censura. Esta senha persecutória tem levado à prisão centenas de pessoas não só devido a motivos políticos mas também devido à posse de pornografia. Num país com tantos internautas e com uma tão grande “fome” de informação leva a números astronómicos, capazes de nos darem a dimensão da tarefa que espera os censores chineses: um único fórum de discussão (sobre um escandâlo sexual envolvendo as estrelas do cinema chinês) levaram a que fosse visualizado por mais de 25 milhões de pessoas e a 140 000 comentários! (Guardian)

Na Rússia, a Duma (Parlamento) prepara-se para regulamentar os sites que registem um número de visitas superior a 1000. De acordo com o proponente da iniciativa pretende-se aumentar a responsabilidade pela informação que é posta a circular. Os sites que registam 000 ou mais visitas seriam regulados tal como já acontece com as televisões, rádios e jornais e obrigados a revelar as fontes. Esta medida confronta-se com a impossibilidade de fechar os sites que estejam alojados fora da jurisdição russa. Este é mais um ataque à liberdade de expressão por parte dos novos senhores do Krelim.
Em Portugal, o país europeu mais entusiasta dos blogs, também o poder se tem sentido de algum modo confrontado com a nova dinâmica da sociedade civil. Não esqueçamos todas a polémica que envolveu a licenciatura de José Sócrates no caso da Universidade Independente. A pesquisa do autor DoPortugal Profundo permitiu estabelecer um conjunto de factos de que continuamos a sentir a onda de choque. A “imagem” de José Sócrates ficou inquestionavelmente chamuscada por esta história. O processo movido por José Sócrates contra António Balbino Caldeira foi arquivado o que constituiu uma vitória para a liberdade de expressão em Portugal.

A nível local, no minúsculo universo do concelho de Seixal temos uma realidade paradoxal. Por lado, há um investimento nas novas tecnologias da informação. A câmara faz notícia (legitimamente) sempre que ganha um prémio ou abre uma plataforma tecnológica... mas, paralelamente, verificou que a Internet tem a desvantagem de tornar os processos mais transparentes pois, permite o escrutínio público de notícias e temas. Ora, confrontada com esta nova realidade a câmara do Seixal entendeu seleccionar os artigos do seu Boletim Municipal que antes estavam integralmente on-line e de que agora resta apenas uma colectânea de “textos escolhidos” para que não se possa aferir a quantidade de promessas por cumprir e a dilatação de prazos/ custos de obras. Mais, uma vez, temos um exemplo de manipulação da informação que certamente não se deve a questões técnicas. Trata-se de um pragmatismo: dificultando o acesso à informação limita-se a quantidade e a qualidade das críticas – é bom, não esquecer que, estamos a um ano das eleições autárquicas.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Têm estudos? Mostrem-nos!...ou será bluff?!

Ontem foi demolido o que restava do velho estaleiro da Quinta da Fidalga.
Foi pena! Talvez pudéssemos ter aprendido alguma coisa com aquele espaço, uma vez que o pólo da Amora nunca o chegou a ser, e se transformou em mais um espaço “sem alma”.
Foi demolido mas as questões permanecem, no ar, ensurdecedoras.
Requereu o PSD, através do seu presidente que a Câmara se dignasse “responder às questões[…] colocadas, nomeadamente como pretende garantir a manutenção do estaleiro naval ou se o pretende manter, tendo em conta os projectos que tem para esse espaço, preservando dessa forma um património de inqualificável e incomensurável valor histórico-cultural”aí existente. Ora, desde 3 de Fevereiro, data em que o requerimento foi apresentado, a Câmara não se dignou responder e persistiu imperturbável no seu autismo.




Questionados em sessão de Câmara sobre o assunto terá sido afirmado que existiam “estudos arqueológicos” que suportam as decisões tomadas relativamente àquele espaço. Pois bem, queremos vê-los. Apresentem os estudos. Se foram efectivamente feitos, se respeitam padrões científicos então ficaremos todos a saber que ali se poderá erguer uma unidade de restauração à beira de um passeio pedonal. Poderemos, mesmo assim, lamentar o destino triste do último dos estaleiros tradicionais mas, ficaremos tranquilos quanto ao conteúdo do subsolo: nenhum vestígio de estaleiros, nem dos descobrimentos, nem das embarcações tradicionais. Um levantamento arqueológico terá permitido apurar da importância, ou falta dela, do local para a história da construção naval.

Não basta acenar que temos “estudos”. Todos já ouvimos falar de “estudos técnicos” que tardam em ser apresentados (é também o caso dos estudos relativos à implantação da piscicultura no Sapal de Corroios). Os “estudos” fazem-se para fundamentar decisões não devem ser documentos que nos envergonham e que por isso tardamos em apresentar.

Aguardamos, pois, com a maior curiosidade as conclusões dos levantamentos/estudos arqueológicos feitos no local.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Em Portugal, que Esperança para os Subúrbios?


Sarkozy divulgou esta semana o seu muito esperado plano para os “banlieues”, uma das suas promessas de campanha e uma das que suscitou mais esperanças.
O plano denominado “Esperança para os Subúrbios" concentrar-se-á numa centena de bairros considerados problemáticos. Este plano terá como principais prioridades as áreas da inserção pelo trabalho, da luta contra o insucesso escolar, e o reforço dos transportes públicos e da segurança como formas de evitar a “guettização”. Em paralelo anuncia-se a criação de 45 000 novos empregos nos próximos 3 anos e um financiamento de um milhão de euros. Tudo isto aliado à chamada lei SRU (Solidariedade e Renovação Urbana) que contempla a necessidade dos municípios de reservarem 20% para habitação social (foi aliás, publicado esta semana, a um mês das eleições municipais, um relatório sobre o cumprimento desta lei nas diversas municipalidades).
Este plano surge de entre as muitas críticas que têm sido feitas à dinâmica social das cidades francesas. Entre aqueles que acreditam no plano e, aqueles que o interpretam como apenas mais um espectáculo eleitoralista numa fase em que as sondagens em França não são favoráveis ao presidente Sarkozy, a discussão mantêm-se acesa.

Em França, temos pois um plano e um debate que atravessa a sociedade num período de eleições municipais. Mas, e em Portugal? O debate sobre este tema restringe-se a determinados momentos. Não parece haver uma política articulada para combater estes fenómenos de exclusão social derivados do fraco domínio da língua, associados não qualificação da mão-de-obra e à existência de sub-culturas.

O fenómeno da exclusão social está a alastrar em Portugal. As segundas e terceiras gerações de imigrantes têm denotado muitas dificuldades na integração. Não houve ainda uma aposta séria na formação aliada à criação de emprego. As escolas não estão dotadas de meios que permitam fazer face aos desafios postos por estas comunidades, o que leva frequentemente ao abandono escolar precoce e à manutenção do círculo vicioso da exclusão e da pobreza.


Quanto à habitação social, tem havido um desinvestimento e um desinteresse da parte das autoridades locais e centrais que têm permitido a criação de zonas habitacionais extremamente degradadas e /ou a degradação do parque habitacional existente. O não cumprimento dos programas de realojamento social conduz à eternização de situações de extrema carência que em nada beneficiam a comunidade local. Por outro lado, colocar os bairros sociais em zonas periféricas contribui e reforça a tendência para a sua marginalização e para a perda de autoridade do Estado.

Os grandes motins que assolaram as cidades francesas no Outono de 2005 são reveladores de um grande mal-estar. Esse mal-estar existe também em Portugal, o que não existe aqui, é o fermento agregador da religião. É que em França, muitos destes problemas são ocasionados pelas segundas e terceiras gerações de imigrantes magrebinos. Em Portugal, os emigrantes encontram-se divididos pela sua origem étnica o que de algum modo tem evitado grandes as explosões.
Esta questão tem que ser pensada e discutida até porque não existem soluções fáceis e, adiar esta discussão é adiar o problema e contribuir para o reforço de epifenómenos como a criminalidade e a xenofobia.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Estrada para a cidade...Esmeralda?

E se hoje comparássemos a propaganda do PCP/Amora com esse clássico do cinema americano o “Feiticeiro do OZ”?




Olhemos então a capa do folheto do PCP/Amora que foi recentemente distribuído. Frente ribeirinha da Amora. Enquadramento perfeito sem casas meio arruinadas, nem miradouro por acabar (convenientemente escondido atrás da palavra “Amora”). Tudo em tons de azul, espaço verde, banquinhos para transeuntes. Tudo limpinho e arrumadinho. Tudo tão perfeitinho, que mais parece prospecto das testemunhas de Jeová sem Leão a brincar com Cordeiro. Ao centro, um caminho vermelho que se perde de vista...
Sem dúvida que seguindo o caminho vermelho alcançaremos mais qualidade de vida. É fácil, muito fácil mesmo basta segui-lo para e teremos um futuro melhor.
Ora, era aqui, que batia o ponto na história hollywoodesca e, na nossa de hoje.
A estrada dos “tijolos amarelos” conduzia a um Feiticeiro que na realidade não passava de um charlatão.


E este caminho vermelho conduzirá a algo melhor? Ou, estaremos também, aqui, perante uma ilusão que nos é vendida (vendida, sim, por que a pagamos) em doses massivas?
A mensagem do filme era curiosa. Afinal, para voltar para casa (e ser Feliz) Dorothy só dependia dela própria não precisava nem da estrada amarela nem do presidente da Câmara de OZ.

Também, aqui, só dependemos de nós próprios para encontrar o caminho certo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O Deserto do Esquecimento Organizado



‘Para liquidar os povos, dizia [Milan] Hübl, começa-se por lhes tirar a memória. Destroem-se os livros, a cultura, a história. E outra pessoa qualquer escreve-lhes outros livros, dá-lhes outra cultura e inventa-lhes outra história. E depois o povo começa lentamente a esquecer o que é e o que era. O mundo à volta esquece ainda mais depressa.’

Milan Kundera, O Livro do Rio e do Esquecimento.

Uma questão de Direito



No Reino Unido a última semana tem sido de discussão sobre a possibilidade de reconhecer a sharia (lei islâmica) como paralela ao sistema legal inglês. A discussão suscitada pelas declarações do Arcebispo de Cantuária, está acesa. Entre apupos e pedidos de demissão e críticas dos seus pares o Arcebispo tem tentado esclarecer a sua posição.
A polícia britânica estima em 17 000 o número de mulheres que todos os anos é vítima dos chamados “crimes de honra”. Está a crescer o número de jovens (sobretudo mulheres) que é levada em idade precoce para contrair matrimónio contra a sua vontade em países como a Índia ou o Paquistão. É de tal forma que as autoridades se viram obrigadas a criar o FMU (Government Forced Marriage Unit) que só no ano passado tratou de cerca de 400 casos, 15% dos quais envolviam rapazes.
As vítimas são repatriadas mas em Inglaterra não estão a salvo dos seus familiares dispostos a tudo para vingar a sua honra perdida. No Reino Unido têm-se sucedido os casos de homicídio, escravatura, maus-tratos e suicídios motivados pela aplicação das tradições ancestrais.
Ao aceitar a aplicação da sharia por mútuo consentimento entre as partes, estaríamos a aceitar que num diferendo ambas as partes são iguais. O que desde logo não é verdadeiro. As mulheres islâmicas têm o peso das tradições contra si e facilmente podem ser forçadas a aceitar a autoridade de um familiar ou de um líder religioso que as condene a uma existência de sujeição (ou mesmo, a uma morte extra-judicial).

As declarações do arcebispo de Cantuária são apenas mais um passo no sentido da capitulação e do reconhecimento de que a sociedade europeia contemporânea não consegue integrar muitos daqueles que acolhe e, de que nem sequer lhes consegue garantir os seus direitos mais básicos. Na Inglaterra, na França e na Alemanha há sinais preocupantes de tolerância para com práticas fundamentalistas inaceitáveis que levadas ao seu extremo poderiam conduzir a uma sociedade paralela dentro da sociedade europeia.

Eis, um tema a merecer discussão.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

O Ecomuseu disse...

Construção da réplica do navio holandês (original de meados do séc. XVII) "7 Provincien". nos estaleiros de Lelystad.




“No território do actual concelho do Seixal, os esteiros do Judeu e de Corroios apresentaram desde sempre condições especiais de ancoradouro para inúmeras embarcações: as suas praias, de águas calmas e pouco profundas, eram abrigos naturais das tempestades de Inverno. Estes factores naturais e ainda a proximidade em relação a Lisboa poderão explicar a instalação no concelho da Ribeira das Naus, estaleiro onde se construíram as embarcações utilizadas nas viagens dos Descobrimentos Portugueses. Do Dicionário Geográfico do século XVIII, constam as seguintes informações da autoria do pároco da freguesia do Seixal que dão conta daquele estaleiro no concelho antes de ter sido transferido para a Telha, no Barreiro: [O Seixal] tem duas Ermidas huma dentro do lugar, e da Nossa Senhora da Conceição que he tradição ter sido erecta pelo Rey e Senhor Dom Manoel, para nella ouvirem missa os oficiais, e Mestrança de primeyra Ribeira das Naos que foi neste lugar, e delle passou a dita Fabrica para o lugar da Telha, no rio de Coyna distante deste lugar menos de meya legoa (…).

Para além das condições naturais da Baía do Seixal, outros factores contribuíram para o desenvolvimento da construção naval em madeira: a existência de vastas manchas de pinhal localizadas no interior do concelho, o aproveitamento das praias para espalmadouro, ou seja, locais de conservação da madeira e a abundância de seixos, utilizados para lastro das embarcações.”

In, Ecomuseu Informação, nº 27, 2003, pág. 12.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Á descoberta dos barcos dos Descobrimentos

Os séculos XV e XVI foram de enorme importância para Portugal e para o Mundo, foram o primeiro passo para a globalização.

Sabe-se, bastante, relativamente a esta época pois, humanistas, cronistas, poetas, aventureiros, artesãos, artistas… legaram-nos o seu trabalho para que dele laboriosamente pudéssemos reconstituir o seu ambiente. Conhecemos os seus nomes, as aventuras e desventuras, os seus lugares de nascimento e morte, conhecemos as suas ambições, medos, traições, crimes, paixões. No entanto, sobre os magníficos veículos que os levavam até às “sete partidas do mundo” conhecemos pouco. Sobre a tecnologia que permitiu construir barcos para transportarem centenas de pessoas, mercadorias, canhoeiras o nosso conhecimento é insuficiente: as fontes são escassas, a arqueologia é cara e abundam as “histórias” não confirmadas.

Felizmente (para nós) algumas destas embarcações naufragaram e conservaram-se, até hoje, os seus destroços. São fontes de valor inestimável pelo muito que nos permitem aprender.
E, se por fortuna, pudéssemos localizar um estaleiro da época que não tivesse sido engolido pelo rio ou pelo “progresso” muito mais poderíamos aprender sobre as técnicas de construção e, sobre os homens que serrando, martelando e calafetando estiveram na sua origem.

A possibilidade de um estaleiro coevo dos Descobrimentos ter sido instalado nas proximidades da Quinta da Fidalga não é uma fantasia. Trata-se de uma probabilidade que não deveria ser descartada com ligeireza. Os trabalhos que decorrem na marginal do Seixal deveriam ter sido antecedidos por um estudo prévio do local de forma a salvaguardar a eventualidade de ali existirem efectivamente vestígios de estaleiros mais antigos e de interesse histórico. O facto, de se levarem a cabo obras que implicam movimentações de terreno, sem o devido acompanhamento, numa área sensível e potencialmente de interesse histórico é, no mínimo, irresponsável.
Caso, se confirmasse a existência de um antigo estaleiro no local o que faria a Câmara? Lamentava a destruição ou, continuaria a “assobiar para o ar” fingindo não ouvir as preocupações e interrogações que se levantam?
Mas, mesmo o estaleiro ali existente se pode revestir de interesse, tanto mais que a Câmara Municipal do Seixal permitiu o desaparecimento do antigo estaleiros dos Venâncios -em Amora- que chegou a estar anunciado como mais um pólo do Ecomuseu e que por incúria e irresponsabilidade foi vandalizado e destruído até não restar nada.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Sobre os perigos da Perfeição

Há um conjunto de imagens propagandísticas do Estado Novo que deveriam merecer a nossa reflexão.
Olhando o Seixal no espelho do seu Boletim Municipal ou na propaganda da estrutura local do PCP quase concluiríamos que nos encontramos no mesmo mundo colorido, harmónico, organizado, moderno e perfeito que aqui se propagandeava.




As semelhanças não se esgotam aqui. A propaganda ao Estado Novo, contém ainda outra similitude com o Boletim Municipal (propaganda de CMSeixal)/PCP), é o público a que se dirige, um público pouco letrado e para o qual o progresso, a modernidade, a segurança e a harmonia são os valores supremos.
A escolha dos monumentos a restaurar (em alguns casos a recriar) e das iniciativas culturais não era de modo nenhum inocente, era feita de acordo com os critérios do Estado Novo. Também no Seixal parece haver um conjunto de critérios que definem se um dado património é ou não dispensável (ver aqui).
O comunistas acreditam na revolução como forma de transformar a sociedade mas, logo que eles próprios tomam o poder, a revolução desaparece para dar lugar à “harmonia”.Veja-se a curiosa insistência na imagem de harmonia” (quase diria de “pasmo”) que nos é veiculada continuamente pela propaganda camarária e pelo próprio PCP quando se refere ao concelho do Seixal: a perfeição. Ora, esta imagem é recorrente e pretende a perpetuação do poder. As contradições presentes no tecido social anulam-se para dar lugar à perfeição: os munícipes estão satisfeitos, há um dinamismo que se pode ver na dúzia de fotos em que o trabalho autárquico nas suas diversas facetas é explorado até ao limite pela imagem, existem festas e comemorações com fogos de artifício e música. Tudo está bem no melhor dos concelhos. Ora, como se pode mudar o que já é perfeito? O que é “perfeito” não carece de mudança… nestas circunstâncias, o papel das oposições torna-se difícil. Opor-se à perfeição, à harmonia, ao progresso, à segurança? Esta vontade de mostrar perfeição, esta "mediocridade dourada", é também característica da propaganda do Estado Novo desejoso, também ele, de se perpetuar no Poder e de eliminar as oposições.

A utilização da imagem para falsear a realidade não é uma realidade nova. As tecnologias de informação que massificam essa ocultação da realidade e permitem manipulá-la cada vez melhor são o desafio que cada vez mais se coloca aos cidadãos que pretendem continuar a pensar pela sua própria cabeça.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Modelo inacabado de Nau




"As naus construíram-se não só na Ribeira de Lisboa, mas nos históricos “espalmadeiros” da Banda d’Além, em Setúbal, no Porto…”


d’Ornellas, Ayres, Política Marítima Nacional, vol. VII, Lisboa, Centro Tipográphico Colonial, 1910, p.7 .

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Crónica de uma Morte Anunciada, ou talvez não?

“Os ofícios ligados à construção de barcos não deveriam ser totalmente desconhecidos dos habitantes da região [Seixal], visto já existir ao que parece a modesta indústria da pesca o que […] exigiria a existência de algum pequeno estaleiro. Porém, as necessidades impostas pelas construções trouxeram certamente aqui artífices que o seu ofício ensinaram a muitos dos habitantes que primeiro se empregaram na execução de tarefas auxiliares.
[…]
Sobre este particular dizem os historiadores Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues: ‘ Vendo pessoas competentes que o sítio era azado [apropriado] para construções navais em grande escala e que estava em fácil comunicação com os operários da fábrica da Ribeira das Naus que estava estabelecida a E[ste], para o lado da vila de Coina, fundaram aqui alguns estabelecimentos dependentes do Arsenal da Marinha, e pouco a pouco os mestres e operários foram construindo casas de habitação’.
[…]
...o estaleiro da Fidalga, situado junto à Quinta de Vale de Grou ou da Fidalga que se julga ter pertencido a Estêvão da Gama, Vasco da Gama, Sebastião da Gama Lobo […] é tão antigo que não admira que tenha sido escolhido para construção de barcos para fidalgos e outros de maior porte para a marinha portuguesa.”

Manuel D’Oliveira Rebelo, Retalhos da Minha Terra, Seixal, 1959, pp.76 a 78.


É este patrinómio que poderemos estar a destruir irremediavelmente se prosseguir a demolição do estaleiro de alvenaria ali, entretanto, construído. Se esta informação estiver correcta, arriscamo-nos a perder os vestígios deste estaleiro quatrocentista (mais antigo?) em consequência da movimentação de terras. Se ali ainda existirem (no subsolo) vestígios deste estaleiro então estaremos a destruir um património único de grande importância para a história da construção naval, história local e, para a história dos Descobrimentos portugueses[1] sem que, pelo menos, se tivesse procedido ao levantamento arqueológico do local, e feito o adequado estudo e inventário.
Se assim for tratar-se-à de um crime de lesa património. Tenhamos esperança que o bom-senso prevaleça.
[1] Sobre este a assunto ver também Baía do Seixal , Revolta das Laranjas.



Critérios como Mascaras


Imagino-me a escrever sobre as mortes anunciadas de muitos lugares históricos e naturais destes concelho. Alguns desses lugares já estão “mortos e enterrados”, outros vegetam aguardando que o tempo faça o seu trabalho para depois, o camartelo poder intervir sem escândalo público.

A intelligentsia local pretende promover o concelho através de um circuito turístico “do trabalho”, ora, como sabemos nem todos os trabalhos são iguais, há uns mais iguais que outros.
Há locais e edifícios que estão ligados à história do trabalho sim, mas também à história do Partido Comunista esses são para preservar. Há outros que gozam desse privilégio dada a sua antiguidade e a sua localização ou ainda o seu carácter simbólico: proto-industrial (como se nos quisessem dizer que neste concelho já antes da industrialização se davam passos no sentido “certo”): é o caso do moinho de maré de Corroios e da olaria romana adjacente.
Mas falemos dos outros, dos excluídos. Esses regra geral não tiveram a sorte de ser “classificados pelo IPPAR” porque não foram propostos pela Câmara (outros mesmo classificados aguardam pacientemente a “sua hora”, entregues que estão ao abandono e ao vandalismo).
Serão de menor importância?
Porquê que a Fábrica dos Laníficios de Arrentela é menos importante que a Mundet? Porquê que os núcleos antigos de Amora, Arrentela, Seixal não foram propostos para classificação?
É certo que são considerados “imóveis de interesse municipal” mas na prática isso significa que pouco tem sido feito para a sua preservação não havendo em seu redor uma zona de protecção, que permita continuar a apreciar a moldura urbana original, pondo-a a salvo dos mamarrachos. Estas casas cuja degradação se arrasta em alguns casos há décadas são o que ainda resta do processo de industrialização do século XIX.
E as quintas? E a floresta? E as matas? A agricultura, a pecuária e a silvicultura não são merecedoras de figurarem neste circuito do trabalho? Parece que não. Este é o trabalho que não interessa à imagem pretendida. Este é o trabalho dos rendeiros, dos foreiros, dos camponeses e até dos escravos. Zés-ninguém que durante séculos se conformaram com a sua (pouca) sorte. Foram Zés-ninguém em vida e sê-lo-ão na morte pois serão apagados da história que deles nada rezará.
E os estaleiros onde durante centenas de anos foram construídos os barcos destinados à carreira das Índias, mas também à guerra, à pesca ao transporte de pessoas? E os portos e portinhos, também eles vestígio de uma época em que a principal atracção “desta banda” era a acessibilidade à capital através do rio?

Quando se trata de “trabalho” cheguei à conclusão que os critérios são rígidos: à imagem de “trabalho” pretende-se colar a imagem do partido comunista. De facto, fará sentido esta ideia de transformar o Seixal três dias por ano na Meca vermelha desperdiçando o resto do ano?
Os milhões gastos pela câmara do Seixal têm por base um critério nunca frontalmente assumido: a vontade política de preservação da Mundet e da Siderurgia deve-se à sua importância enquanto unidades de produção mas sobretudo, ao facto, de terem sido “viveiros” do Partido Comunista nos anos do Estado Novo.



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Aqui se fez História

[…]
Na vila [Almada] havia assaz de gente que a pudesse defender [contra os castelhanos], e doutros estrangeiros [pessoas de fora da vila] que se acolheram a ela, que se vinham lançar com o Mestre [D’Avis] e não puderam, por azo da frota. Eles tinham mantimentos de pão e vinho e carnes e doutras cousas pêra seis meses e mais; mas não havia outra água, salvo de uma pequena cisterna, e sobre esta foi posta grande guarda dando a cada pessoa por dia uma canada e mais não. […] os da vila saíam fora [de Almada] esperar os castelãos [castelhanos] em certos passos, os quais iam à forragem pelo termo e a Sesimbra; e matavam deles e feriam, em tanto que já não ousavam de ir senão muito juntos. E assim esperavam os que iam os batéis a Arrentela e Amora a roubar, de guisa [maneira] que um dia mataram mais de trinta todos em lama, querendo-se acolher aos batéis e não sabendo o porto.
[...]

Fernão Lopes, Crónica de D. João I, o da Boa Memória, cap. 135

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Palavras como Máscaras

“Por vezes as palavras devem servir para mascarar os factos. Mas isso deve suceder de forma a que ninguém perceba; no entanto, para o caso de alguém descobrir, devem ter-se as justificações necessárias prontas a ser exibidas.”

Maquiavel



Estas palavras de Maquiavel poderiam ser usadas com propriedade para descrever o que se passou com Alfredo Monteiro durante a entrevista concedida à antena 1.


A entrevista correu em duas fases distintas: na primeira a exposição do “concelho maravilha” os projectos para a Baía, o circuito da arqueologia do trabalho desde a época romana até à produção do aço passando naturalmente pelos descobrimentos.

"E os velhos estaleiros da Quinta da Fidalga? E os timings?" Perante estas interpelações - de Hugo Metelo,da Associação Náutica do Seixal-, o presidente do município desdobrou-se em justificações: falou dos milhões de euros investidos; disse que o investimento em património tem que ter condições para poder sobreviver; invocou o QCA e finalmente, reconheceu que estaleiro não está classificado… “é [só] para aí que dirigimos o investimento”.


Ou seja, houve o reconhecimento de que só o património classificado poderá eventualmente ser preservado.

Ora, quem é que propõe a “classificação” do património? As câmaras. Logo, esta classificação é feita de acordo com critérios da própria câmara. No caso, ficou bem patente que nem os velhos estaleiros da Quinta da Fidalga eram prioritários nem outra parte muito importante da história local – as quintas. Aliás, eles nem sequer fazem parte desses critérios, não é verdade?
Mais, o facto de os núcleos urbanos antigos não terem sido propostos para classificação deixa-os numa situação precária, inteiramente vulneráveis aos que entendam “arrasar” para construir com vista para a Baía. Mais grave ainda, o património não classificado, aquele que apenas merece o título de “interesse municipal” não tem sido objecto de estudos que o preservem (nem que seja em papel/digital) para o futuro.


Ficámos ainda a saber que não se sabe para quando são estes projectos, ou seja está tudo dependente de financiamentos externos QCA, parcerias publico-privadas...

Sobre este tema ver também: Baía do Seixal, a-sul

Turismo Virtual


Este fim de semana descubra os abismos …