domingo, 15 de março de 2009

A revolta da classe média


Não é só em Portugal que a classe média se está a sentir esmigalhada. Alguém pensa que este facto não terá consequências políticas?

The middle class – at least in Germany – is shrinking now. This is a completely new situation for Germany. You have much more upward mobility and downward mobility from the middle class. I assume that the financial crisis will accelerate the process,” notes Stefan Hradil, a German sociologist.
in, Financial Times

"As Britain’s economy slows, the gloom felt by its middle class has led to the acquisition of a new label: the coping class. [...]
...“coping class” implies dissatisfaction with a government that, over the past decade, succeeded in securing the support of large parts of the middle class – not least because of the economic prosperity it enjoyed."
in, Financial Times
A expressão "coping class" tomou conta dos media ingleses. Como traduzi-la? A classe que aguenta, que arrosta com a crise. "Classe dos mantenedores", é a tradução que proponho.
"Mantenedores", porque essa era a designação que, em português medieval, era dada aos que não sendo da nobreza ("defensores"), nem do clero ("oradores") pagavam impostos. Mantenedores porque são eles que por um lado mantêm/asseguram a receita do Estado, e por outro lado procuram manter o seu poder de compra. No contexto de recessão as finanças públicas precisam de gerar mais receitas para acudir aos pacotes de emergência e controlar despesas e, fazem-no à custa, sobretudo, da classe médial. Assim, a classe média vê não só reduzido o seu poder de compra, como também, as suas regalias sociais e, até o seu emprego está ameaçado. Os mantenedores, têm todas as razões para estarem insatisfeitos com o estado das economias e, naturalmente, vão procurar punir os responsáveis políticos pela situação a que se chegou. É o que está a acontecer por toda a Europa com os partidos que estão no poder a ser o alvo, natural, do descontentamento: Alemanha, Inglaterra,França, Espanha...

Os quatro anos da governação socrática não diminuíram as vulnerabilidades da economia portuguesa, nem aliviaram o esforço que a classe média já vinha fazendo, antes pelo contrário pois, diabolizaram-se determinadas categorias profissionais tornando-as no "bode expiatório" das insuficiências do próprio Estado e, erodiu-se o seu prestígio social/profissional. Ou seja, quatro anos de governação socrática representaram para os mantenedores perda de poder de compra, perda de regalias sociais, perda de prestígio profissional/social.
O descontentamento só pode ser enorme.
Em Portugal, este descontentamento com o poder tem um alvo: o PS de José Sócrates. Reflicta-se na dimensão (quantitativa e política) da manifestação que encheu as ruas de Lisboa e que certamente resultou de algo bem mais profundo do que a simples manipulação da CGTP. Repare-se no surgimento de movimentos independentes e na sua campanha para "Não Votar PS". Só as sondagems parecem não reflectir ainda, com clareza, essa realidade.
O nível de insatisfação era grande, tornou-se maior e continuará a crescer com a crise e com a incapacidade que o governo tem demostradode de encontrar outras soluções que não "malhar" nos mesmos. Pela primeira vez, em décadas, a classe média deixou de estar optimista. E isso terá um custo político.

1 comentário:

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

A classe média está a perder há trinta anos, e durante esses trinta anos tem estado à defesa por acreditar que essa perda era historicamente inevitável, e por outro lado que os ganhadores (entre os quais esperava vir a contar-se) estavam a jogar limpo.
Hoje, muita coisa mudou. A classe média verificou que tem à sua disposição armas poderosíssimas nas tecnologias da informação; consequentemente, a derrota não é tão inevitável como parecia. E dum momento para o outro verificou que os ganhadores não só não estavam dispostos a admitir mais ninguém no clube, como estavam a jogar muito sujo.
De modo que agora a classe média está ao ataque. Pode não ganhar, mas eu, pela minha parte, aposto nela.