quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Seixal Virtual - Seixal Real (1)

Descubra a Margem oculta.

Que imagens se escondem por detrás da imagem, que nos querem projectar?



Aldeia de Paio Pires

Amora (Fogueteiro)

Arrentela

Miratejo



Imagens roubadas em skyscrapercity
Outras imagens do Seixal que temos encontram-se aqui, aqui, ou aqui.

A realidade, fica bem longe da imagem de qualidade que a propaganda (oficial) se atarefa em “vender”. Como se pode ver, o Seixal , é uma manta de desequilíbrios urbanos (arquitectónicos, urbanísticos mas também sociais, ambientais e económicos).
Não se fez da proximidade a Lisboa, uma vantagem adicional para o desenvolvimento, em lugar disso, apostou-se numa política de crescimento descontrolado que tem levado a um nivelamento por baixo e à consequente “suburbanização” do concelho (as imagens são esclarecedoras).
Procura-se criar uma imagem atractiva, aproveitando a sua proximidade relativamente à capital, para atrair investimento nas áreas empresariais e tecnológicas, mas, descurou-se por completo a valorização os seus recursos hídricos e florestais bem como o seu património edificado.
Cada vez mais este é um Seixal de betão com algumas tristes ilhas de verde, a que se chama pomposamente “parque”, entretando, parece haver um empenho redobrado em destruir tudo o que era o “verde original” arrasando-o (activa ou passivamente) de forma sistemática.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Seixal Fluvial – Seixal Virtual

Descubra esta Margem...
“Embarque na descoberta do surpreendente Seixal fluvial. Desde os Foros da Amora até ao Barreiro, esta marginal ribeirinha, marcada pela intervenção contemporânea de requalificação, com ciclovia e agradáveis jardins, é salpicada de espaços museológicos de Arqueologia Industrial, Quintas e Palacetes Antigos e, uma orla de arquitectura tradicional oriunda do passado Piscatório ainda hoje presente nos passeios de Bote-de-Fragata pela Baía do Seixal. O Seixal Fluvial oferece-lhe também o charme do seu Núcleo Urbano Antigo onde, por entre ruas debruadas a casinhas revestidas a azulejo, lhe surge com o desafio do “Hoje há caracois!” da Associação Filarmónica ou os lombinhos de tamboril na Taberna do Sousa, enquanto o rio convida à contemplação das aves marinhas ou a seguir até ao Centro de Estágio do SL Benfica, com deslumbrantes vistas de Lisboa em fundo. Este é o Seixal Fluvial que o convidamos a descobrir. Um lugar fascinante.”



Este texto, destinado a promover a urbanização Quinta da Trindade, dá-nos uma imagem diferente, e talvez surpreendente sobre o Seixal que temos. Escusado será dizer que agradáveis jardins, ciclovias, espaços museológicos e caracóis, tudo isto existe….
E de tal forma existe que o promotor imobiliário nos oferece uma agradável panorâmica de 360º em redor do Seixal. Sempre de longe, com o cuidado necessário para que não se descubra nada de desagradável, sempre com a distância necessária para que não haja vislumbres incómodos de ruínas, poluição ou simples desleixo. Afinal, compreende-se, o objectivo é atrair para o Seixal real novos habitantes que pretendem viver no “melhor dos mundos possíveis” perto da capital e perto de locais emblemáticos prestigiados (Centro de Estágios do Benfica) mas, longe dos problemas sociais e do caos urbanístico.


Esta visão idílica do Seixal é, afinal, o que sempre se procurou na “outra margem”. A “outra margem” como destino turístico foi efectivamente uma realidade antes do “turismo” se chamar turismo. E agora, que de novo se pretende atrair classes mais abastadas para este concelho é interessante que volte a surgir a tentação de o transformar em lugar pitoresco camuflando, deliberadamente, tudo o que o crescimento em “mancha de óleo” lhe trouxe de negativo nas últimas décadas.

Sobre este Seixal virtual pode ler tudo aqui. Para mais informações sobre "este" Seixal o promotor dá como garantia o site oficial da cms (não admira).


segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Inferno no Oeste do Sudão


O Darfur é uma região do oeste do Sudão onde está a ocorrer o que as Nações Unidas têm designado como “a pior crise humanitária” dos últimos anos:

- desde Fevereiro de 2003, cerca de 400000 homens, mulheres e crianças morreram;


-2 500 000 de civis foram obrigados a deixar as suas comunidades e a procurar refúgio em campos de refugiados;


- 3 500 000 têm fome (de acordo com os relatórios da ONU);


- o governo sudanês não tem querido proteger a população civil;


- as milícias Janjaweed têm cometido toda a espécie de atrocidades com a conivência do governo do Sudão (de acordo com relatórios da ONU).

A consequência é um genocídio perpetrado com a cumplicidade dos interesses económicos, geo-estratégicos e religiosos. E porque uma imagem vale mais que mil palavras, veja as fotos do crime que a Agência Magnum publica: 32 Fotos Darfur... e assine a petição da Human Rights First para pedir à China para pressionar o governo do sudanês para que a UNAMID possa actuar no Darfur (assinar a petição).

domingo, 27 de janeiro de 2008

Liberdade? Democracia?

Há textos que não nos deixam margem para dúvidas.

De entre muitos outros textos que nos permitem aferir da qualidade da democracia e dos ideais democráticos no séc. XXI, não resisti a fazer a transcrição livre, a partir, do espanhol de parte um texto, sobre a
comunicação, de Ivan Bravo:

“Estávamos todos [o autor, a directora da Rádio Nacional da Venezuela, estudiosos da comunicação] para compartilhar critérios que contribuem para avaliar e propor políticas comunicacionais no Governo revolucionário que lidera o comandante Hugo Chavez.
Para mim, como factor primordial para um governo revolucionário que se empenha na construção do socialismo do séc. XXI, a partir da gestão da cultura, entendo que o compromisso da comunicação é prioritário. Sobretudo quando entendemos que uma comunicação em revolução é uma comunicação em guerra, é uma comunicação que a artilharia do pensamento [a imprensa], os meios rádio eléctricos e todos os interfaces electrónicos e de satélite formam parte das armas da luta de classes, para a definição de hegemonia.
[…]
… Na batalha da comunicação, o desafio está em conseguir os espaços que hegemonicamente pertencem ao bando inimigo, ao bando da dominação capitalista. Para isso é preciso produzir conteúdos humanistas, de valores socialistas, de ética de anti-exploração e anti-capitalismo.
[…]
Comunicação e cultura em revolução são a estratégia para alcançar o suporte espiritual e o sentido do socialismo no séc. XXI. […]”




Este texto é, apenas, um exemplo entre muitos outros possíveis de como a comunicação e a gestão da cultura se fazem de forma inteiramente assumida, para alcançar objectivos políticos. O que mais choca é o seu carácter belicista. Trata-se de “uma guerra”: há “armas”, “artilharia”, "batalhas" e“bandos de inimigos”.
Que democracia poderá estar subjacente a uma “revolução” destas?
Aqui, quem detém o poder detém-no absolutamente, sem partilha porque só os “bandos inimigos” poderão contestar esta retórica. Esta apetência pelo controle dos media é de resto uma das imagens de marca das ditaduras (de todas as cores, em todas as épocas). Tudo o que é publicado tem que obedecer a um guião, só assim se garante o unanimismo, só assim se garante a perpetuação no poder a todo o custo. Não há que olhar a meios. Os opositores perderam a sua “humanidade” ao tornarem-se “bandos de inimigos”, logo tudo é legítimo (fazê-los reféns, aprisioná-los, torturá-los ou, simplesmente, assassiná-los). Culpados, antes de o serem, os adversários políticos, são alvos a abater.
Esta lógica justifica o injustificável, o inaceitável em nome do humanismo e da democracia...

Nesta comunicação “revolucionariamente empenhada” não pode haver espaço para o risco do improviso do “homem da rua”, prova disso mesmo é a forma como na China se conduzem as entrevistas previamente ensaiadas e com script ...
__________________________________
Post-scriptum: sobre este tema, numa perspectiva mais europeia, veja-se, “A Arte de mentir”, de António Barreto no sorumbático.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Um Futuro para o Bairro dos Vidreiros?

Satisfação!
Foi, naturalmente satisfação que senti com a iniciativa do PSD de propor na Assembleia Municipal do Seixal a classificação da zona ribeirinha da cidade de Amora como Imóvel de Interesse Público (IIP)[1]. Resta acreditar que todas as diligências serão feitas para que no mais curto espaço de tempo esta sábia decisão não caia “em saco roto” e que se proceda desde já à catalogação, estudo e registo fotográfico detalhado deste património, memória única de uma fábrica de vidros que foi devastada pelo tempo e pelos homens.
Esperemos, ter ainda tempo de preservar este casario, para que as futuras gerações possam dele usufruir em termos paisagísticos e, para que lhe possam ser atribuídas novas funcionalidades capazes de o integraram no bulício da cidade.
Quero acreditar que será possível (e que haverá vontade política) ultrapassar os possíveis obstáculos que se coloquem à reabilitação do Bairro Vidreiro. Como já disse, aqui antes, é fácil constatar que ele desapareceu totalmente das fotografias oficiais (da Junta de Freguesia, da Câmara, e dos folhetos da CDU), tal a incomodidade que a vergonha pelo estado ruinoso dos edifícios tem produzido. Quero acreditar, que será possível discutir um futuro para a “correnteza”, até porque este conjunto reveste-se de um alto valor histórico-patrimonial, pois é representativo de uma época e desempenhava uma função muito específica: o alojamento dos operários da fábrica dos Vidros de Amora. Tratou-se de uma iniciativa filantrópica (… tão ao gosto da época!) que simultaneamente visava atrair e fixar trabalhadores especializados ingleses e depois (do Ultimatum) alemães.
Este bairro, do passado, merece ser parte do futuro!

[1] Esta proposta terá merecido os votos favoráveis do PSD (proponente), da CDU e do BE, quanto ao PS parece que optou pela abstenção. Pena, a confirmar-se, pois,. este é um daqueles temas em que a unanimidade seria desejável.




sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Haverá uns Sapais mais iguais do que outros? …

Ainda relativamente ao Sapal de Corroios não deixa de ser interessante verificar que em outras paragens o PCP se apresenta como defensor das “aves marinhas, nomeadamente as aves migratórias, que fazem dela área privilegiada de descanso nas suas rotas. Espécies migratórias como o corvo-marinho, ou a garça-real, utilizam-na como “aeroporto de escala”, como refúgio e zona de repouso, podendo também servir como área de nidificação para algumas espécies, como o penereiro” pode ler-se numa proposta de decreto-lei apresentado na Assembleia da Republica em 2005. Nessas paragens, onde o PCP é oposição, manifesta-se a preocupação por numa zona de “rara diversidade, situado em zona estuarina” cuja não classificação tem permitido uma contínua degradação, queixa-se neste documento o PCP de que “faz-se quase tudo o que se não deve nem pode permitir. Desde o simples pisoteio ao trânsito automóvel e de outros veículos motorizados, do campismo selvagem ao depósito criminoso de lixos e entulhos. Faz-se quase tudo para não permitir a recuperação de sapais, para ameaçar a biodiversidade da área e a sobrevivência de espécies, para impedir a utilização da Baía de S. Paio [Vila Nova de Gaia] na sua função primordial de refúgio de aves marinhas.” Atente-se nas preocupações expressas neste projecto-lei. Não podemos deixar de concordar mas ...






Pois é, quiséramos nós que estas preocupações se estendessem aos lugares onde o PCP é poder autárquico, como por exemplo o concelho de Seixal. Afinal, tratava-se, também aqui, de procurar proteger uma área que nas últimas décadas tem estado sujeita a uma enorme pressão demográfica e urbanística, aos entulhos e lixos, à presença de uma ETAR, da piscicultura com os seus tanques, sem esquecer os movimentos de terra realizados nas proximidades para construção das estradas, as descargas poluentes e, ainda, os cemitérios de barcos das redondezas. A tudo isto, o Sapal de Corroios tem resistido na sua imensa vontade de continuar a estar vivo. A cada nova agressão tem-se recomposto, mas poderá o ecossistema continuar a ser ameaçado indefinidamente, apesar da sua classificação em área de REN? Em que momento será irreversível a morte deste resistente?

No concelho de Seixal o único facto que gera de facto interesse por estes lodos, é o “turismo” dos flamingos que periodicamente demandam estas paragens em busca de alimento e abrigo e que se prestam a fotos, a reportagens e a declarações políticas e propagandísticas… fazendo correr tinta e procurando dar novas cores ao adágio popular uma “andorinha não faz a primavera” mas, um flamingo fará uma baía limpa e saudável?

domingo, 20 de janeiro de 2008

Sapal, interesses e vídeo…

Na controvérsia sobre se o alargamento da piscicultura existente no Sapal de Corroios irá ao não pôr em risco aquele eco-sistema teremos que considerar que aqui se podem encontrar dezenas de espécies diferentes de aves aquáticas, onde se incluem alfaiates, andorinhas-do-mar, borrelhos, corvos-marinhos, flamingos, gaivotas, galinhas-de-água, garças-reais, garças-brancas, guinchos, maçaricos, mergulhões, patos-reais, pernas-vermelhas, pernilongos, pilritos, rolas-do-mar, rouxinol-dos-caniços e tarambolas.
Muitas destas aves são migradoras, e maioritariamente invernantes, embora algumas sejam estivais. Algumas destas aves aquáticas encontram-se em perigo de extinção como se pode comprovar pelo recente relatório sobre as aves do estuário do Tejo, aliás, prevê-se que devido às alterações climáticas e às pressões demográficas a maior parte das aves europeias (mesmo aquelas actualmente consideradas comuns) enfrente a curto prazo o perigo de extinção/deslocalização (ver).




O Sapal de Corroios onde se abrigam milhares de aves durante os meses de Inverno constitui um verdadeiro santuário ornitológico que tem sido vítima não só das alterações naturais decorrentes de se situar no estuário de um grande rio, mas também, devido às enormes pressões demográficas das últimas décadas. Ora, é neste equilibrio instável que se pretendem realizar mais alterações ainda. Isto é tanto mais preocupante do ponto de vista da biodiversidade quanto estas aves que aqui nidificam e procuram alimento.

O estuário do Tejo está sobre uma pressão crescente que o anuncio do novo aeroporto só veio reforçar quer pelo facto de o aeroporto se localizar em Alcochete, quer pelo acréscimo das pressões urbanísticas na região. Existirá ainda esperança para estes espaços em que a natureza continua a ser natureza? Existirá a vontade de preservar o património natural para as gerações futuras? Haverá a vontade de transformar estes locais em locais de aprendizagem e de fruição da natureza?

Pela biodiversidade, pelo direito das gerações futuras à natureza e pelo lazer do presente, esperava-se que a Câmara do Seixal, e o seu presidente, mantivesse uma posição de intransigência face aos interesses que agora ditam a alteração da sua posição sobre esta matéria. Lamentavelmente, assim não aconteceu. Lamentavelmente, não conseguiu sequer explicar as razões, de certo ponderosas, que o levaram a comprometer-se a defender o sapal para logo autorizar a expansão da piscicultura numa área sensível ... Perante explicações tão esfarrapadas surge a duvida quanto à natureza dos interesses que ditaram esta "cambalhota".

Compete aos cidadãos manifestarem o seu desagrado.

Um Olhar sobre a Imprensa e o Mundo em 2007

O relatório sobre a Liberdade de Imprensa em 2007 já foi publicado. Trata-se de um relatório a ler com atenção.

De salientar que os primeiros quinze países do ranking são europeus. Portugal, mantém-se num honroso 8º lugar, muito à frente de outros países da União Europeia como a Bulgária (51º) e a Polónia (56º).

Na análise deste relatório os Repórteres sem Fronteiras reconhecem uma ligeira melhoria na generalidade dos países do G8 à excepção da Rússia que ocupa actualmente o elucidativo 144º lugar deste ranking. Nos Estados Unidos ocupam agora o 48º depois da libertação de um blogger (Josh Wolf) mas mantêm-se ainda longe do pelotão da frente.

Entre os vinte países pior classificados encontram-se 7 asiáticos (Paquistão, Sri Lanka, Laos, Vietname, China, Birmânia e Coreia do Norte), 5 africanos (Etiópia, Guiné Equatorial, Líbia, Somália e Eritreia) 4 do Médio Oriente (Síria, Iraque, Territórios Palestinianos e Irão), 3 da antiga União Soviética (Bielo-Rússia, Uzbequistão, Turquemenistão) e 1 americano (Cuba).



As guerras e os conflitos armados continuam a ser responsáveis não só pelas condições de segurança para o exercício da actividade jornalística como também pela prática de censura. Mas nem só as guerras são justificação para a tentação de coagir os jornalistas. O caso da jornalista Moldava, Natalya Moldar, que investigou casos de lavagens e dinheiro e de promiscuidade entre organismos estatais russos e companhias privadas, e que se tornou incómoda ao ponto de se ver privada de entrar em solo russo por ser considerada uma ameaça é apenas mais um exemplo recente das consequências do trabalho destes profissionais. E em outros pontos do mundo, a morte recente de um blogger chinês que foi rapidamente eliminado por estar no local errado à hora certa, bem como o caso de Fouad, o blogger saudita, preso há 41 dias pelo crime de pensar e “postar” as suas reflexões, fazem pensar como a liberdade que nós temos é um luxo apreciado mas inacessível à generalidade da população mundial.


NB.: Só o ano de 2008, apesar de mal se ter iniciado, conta já com duas vítimas mortais (Carsten Thomassen e Pushkar Bahadur Shrestha) a profissão de jornalista continua a ser de alto risco.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Camões e o vinho do Seixal





No seguinte fragmento de uma composição satírica em prosa e verso, Luís de Camões, descreve uns jogos de canas, com que na cidade de Goa se festejou a sucessão de Francisco Barreto no Governo daquele Estado. Camões, procurando mostrar que todos os foliões eram sacerdotes de Baco, parvos ou homens perdidos:



“[…] Mas outro galante, que de fino bêbado já passava os limites do bom e costumado beber, tirou por divisa uma palmeira; árvore que entre os Antigos significava vitória; e ao pé dela alguns ramos de vides e de parreiras pisadas; e dezia a letra assim:


Ficai vencidas, sem glória
Vós vides e vós parreiras;
Porque os ramos das palmeiras
São os que têm a vitória.


Também aqui não faltaram praguentos, que quiseram dezer que este devoto [de Baco], deixando já atrás Portugal, cometia com valeroso ânimo Orracas [aguardente de arroz] e Fullas [vinho doce de palmeira], tendo em pouco Caparicas e Seixais. Mas quem há que fuja de más-línguas, ou mal acostumadas gargantas?”

Obras Completas de Luís de Camões, Lello e Irmãos, 1970, p.1117 (adaptado)


“O vinho produzido nos campos da Amora era de excelente qualidade, pois, quando no início do século XVI, Garcia de Resende e Gil Vicente destacavam o vinho do Seixal pela sua qualidade, e Gaspar Frutuoso o apontava como o melhor do Reino, era ao vinho produzido nas terras do território do Concelho do Seixal que se referiam. Este produto agrícola já era exportado no século XVI, como nos sugere Garcia de Resende na sua "Miscelânea". Ora, tendo em conta esta informação “roubada” aqui, será possível que já no longínquo séc. XVI as produções de Amora (na época, termo de Almada) fossem confundidas com o “Seixal”?


Seja como for, os vinhos do “Seixal” foram muito apreciados até que em meados séc. XX deixaram de haver quintas para os produzir.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Histórias da Guerra Suja

Uma das histórias que tenho acompanhado com interesse nos últimos meses é a saga dos prisioneiros das FARC. Esta semana, o Der Spiegel (na sua versão inglesa) dedicou a sua atenção a este tema publicando uma entrevista com um ex-guerrilheiro que declara que o que move as FARC não é a ideologia mas o dinheiro; um outro artigo é dedicado aos familiares de Ingrid Bettencourt e à longa e desesperante espera desta família, apenas uma das centenas de famílias que vivem no seu quotidiano um drama interminável, um luto pelos entes queridos vivos, que se crêem vivos, e que tal como Ingrid vão definhando num cativeiro cujo único sentido é o de serem utilizados como escudos vivos nas operações militares.





Não deixa de ser lamentável o à vontade e a sem vergonha, com que esta organização tem sido convidada a participar na festa do Avante. Veja-se este artigo publicado no Avante e tiram-se as devidas ilações não só sobre a referida festa mas, sobretudo, sobre apatia com que a sociedade portuguesa recebe tais "convidados" que em muitos outros lugares seriam indiscutivelmente "persona non grata".

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Má Consciência

A má consciência sobre o património do concelho de Seixal pode sentir-se nas publicações on-line da autarquia, veja aqui e aqui (note-se a ausência de fotografias). No caso da frente ribeirinha de Amora é interessante verificar que se fala do casario antigo mas mostra-se a relva "anónima"... Mais, no site da câmara do Seixal não encontrei referências à maior parte do património classificado do município.
Porquê estas omissões?




Foto de Berta Simões



Património classificado (há mais de vinte anos) a “cair de podre”, não é boa propaganda, percebe-se o incómodo...
Quando as fotografias podem ser aproveitadas do ponto de vista da mensagem, por exemplo, flamingos no rio Judeu = melhoria da qualidade da água, elas aparecem mas, esta realidade mantém-se cuidadosamente fora dos olhares.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Gerir a História (2)

Tomás da Anunciação - Paisagem de Amora cerca de 1850 - Museu do Chiado

O destino de Clementis não é muito diferente do destino do património (no concelho de Seixal) que teve o azar de estar do "lado errado da história", seja pela sua localização, seja pela sua função.
O património no concelho de Seixal, tem sido usado para fins propagandísticos e, tal como no discurso de Gottwald mostra-se a obra (ex: Ecomuseu Municipal / flamingos) ao mesmo tempo que se esconde o estado de degradação da maior parte do património edificado e do património natural ... onde o espaço aberto ao vazio se alarga cada vez mais. Em breve só restará o "chapéu de Clementis".
E o que é o "chapéu de Clementis"? O património residual que não puder ser destruído, nem votado ao mais despudorado abandono sem estragar a imagem da câmara. Tudo o resto, do passado "polticamente incorrecto", das quintas, das capelas, dos moinhos, das fábricas do período pré-industrial (anterior ao PC),... De tudo o resto, não restará nada para além de fotografias e de recolhas orais (incompletas).
A destruição selectiva do património não é feita ao acaso: obedece a imperativos ideológicos (num concelho dirigido por comunistas conserva-se o forno da Siderúrgia não se conservam as quintas, herança de relações supostamente feudais) a que se aliam fortes interesses económicos.
Vejamos o caso da "correnteza" de Amora, se não houver uma intervenção rápida, alguém duvida de que dentro de vinte anos terá surgido naquele espaço um conjunto habitacional moderno desfrutando de vista para o rio? E das quintas? Delas restará a memória preservada na toponímia, nada mais.
Quanto aos edifícios classificados pelo IPPAR, à excepção da Quinta da Trindade e da Igreja da Arrentela, todos eles, incluindo a olaria romana, se poderiam integrar na categoria de património pré-industrial ou industrial (moinhos, lagar de azeite, Fábrica da Pólvora, Alto Forno da Siderúrgia). A classificação pelo IPPAR não constitu'i, por si só, uma salvaguarda pois, a maioria do património classifcado pelo IPPAR encontra-se no mais completo estado de degradação mas, pelo menos, deverá ter sido devidamente estudado, inventariado e fotografado para memória das gerações futuras. É caso para dizer do mal ...
Noutros casos, o dano é já irreparável, caso dos edifícios da antiga fábrica dos Vidros de Amora ou da Companhia de Laníficos de Arrentela, ou do moinho da Raposa que foram destruídos (total ou parcialmente) sem que se procedesse ao estudo e inventário dos imóveis bem como a um adequado levantamento fotográfico.
Verifica-se, assim, que existem duas categorias distintas de património: aquele que serve os objectivos políticos, económicos e propagandísticos do Partido Comunista para o Seixal e, todo restante património que é considerado descartável.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Gerir a História

"Em, Fevereiro, 1948, o dirigente comunista Klement Gottwald subiu à varanda de um palácio barroco de Praga para falar às centenas de milhares de cidadãos aglomerados na praça velha da cidade. Foi uma grande viragem na história da Boémia. Um momento fatídico, como acontece uma ou duas vezes por milénio.

Gottwald fazia-se acompanhar pelos camaradas, e ao lado, muito perto, estava Clementis. Nevava, fazia muito frio, e Gottwald vinha de cabeça descoberta. Clementis, muito solícito, tirou o gorro em pele que trazia e colocou-o na cabeça de Gottwald.
A secção de propaganda fez centenas de milhares de exemplares da fotografia de onde Gottwald, de gorro de pele e rodeado pelo camaradas, fala ao povo.[...]
Quatro anos mais tarde, Clementis foi acusado de traição e enforcado. A secção de propaganda fez com que ele desaparecesse imediatamente da História e, como é evidente, de todas as fotografis. A partir daí, Gottwald está sozinho na varanda. [...] De Clementis resta o gorro em pele na cabeça de Gottwald."

Milan Kundera, O Livro do Riso e do Esquecimento

sábado, 12 de janeiro de 2008

Dos limites da Tolerância


Confesso que me sinto vítima da ”angústia” do blogger antes do primeiro “post”. É assim como que uma paralisia que me tem impedido de ir além das (fáceis) fotografias “roubadas” aqui e ali.
Gostaria, no entanto, de alimentar este blog “lunar” (Hekate, é a face oculta da lua) com maior regularidade. Digamos que tenho estado num estado de “lua nova”, pois devagar, devagarinho, tenho estado a aprender. A exigência de tempo e dedicação é grande… trata-se, sem dúvida, de um desafio.

Voltemos à angústia da escolha do primeiro tema, das primeiras palavras. Perdida entre os grandes e os pequenos temas que vão dando cor ao nosso dia a dia hesito. Hoje ao ler o semanário Sol saltou-me à vista uma notícia sobre a qual não posso deixar de reflectir: “O município de Roma aprovou uma moção apresentada pelo partido Refundação Comunista em que é pedido ao conselheiro municipal que as escolas separem as crianças ciganas nos autocarros escolares, devido a confrontos registados nos últimos dias.” De acordo com esta notícia voltar-se-ia a utilizar diferentes autocarros para transportar as crianças. Esta notícia remete-nos para os limites da tolerância.

Etimologicamente a palavra tolerare significa sofrer ou suportar pacientemente. Quem tolera está, em princípio numa posição de superioridade em relação ao que é tolerado, neste sentido pode ou não tolerar. O conceito tolerância radica numa relação de poder assimétrica.
A tolerância pode ser como a simples aceitação das diferenças entre aquele que tolera e o que é tolerado, ou a disponibilidade do primeiro para integrar ou assimilar o segundo.
Aceitam-se e respeitam-se todas as culturas que antes foram discriminadas ou combatidas. Este princípio tem servido para fundamentar o multiculturalismo. Mas, na verdade a aceitação da identidade cultural do Outro não significa que o aceitamos como igual, nem sequer que aceitemos conviver no mesmo espaço."Iguais, mas separados" é, uma forma do racismo encapotado.

Quais são as margens da tolerância? Uma das mais concretas é a segurança. A percepção do Outro como ameaça, pode levar-nos da tolerância à intolerância num abrir e fechar de olhos. De resto, sociedades crescentemente normalizadas, sociedades em que o papel do Estado adquire um cada vez maior protagonismo como regulador social, sociedades em que o individuo é apenas o reflexo de um todo colectivo são sociedades propensas à intolerância e ao totalitarismo, pois são geradoras de exclusão e produtoras de fobias que alteram as margens da tolerância.

O caso da segregação no autocarro do município de Roma é apenas mais um sinal, preocupante. Mas, os exemplos, de intolerância, sucedem-se desde as recentes leis anti-tabaco, até à forma de actuação da ASAE (veja-se a notícia de hoje no Expresso), passando pelos bairros sociais colocados estrategicamente nas periferias urbanas e transformados em guetos com uma cultura marginal própria.