sábado, 23 de fevereiro de 2008

Sobre o Esquecimento


"Os espectros dos monumentos derrubados erravam em volta do estrado e o Presidente do esquecimento estava na tribuna com um lenço vermelho ao pescoço. As crianças aplaudiam e gritavam o nome dele.

[...]

Dizia: Vós, crianças, sois o futuro, e hoje sei que essas palavras tinham outro sentido, diferente do sentido imediato. As crianças não são o futuro por serem adultos um dia, mas porque a humanidade se vai aproximar cada vez mais da criança, porque a infância é a imagem do futuro.


Exclamava: Meninos, nunca olhem para trás, e isto significava que nunca devemos tolerar que o futuro ceda sob o peso da memória. Porque as crianças também não têm passado e é esse todo o mistério da inocência mágica do sorriso deles.


A História é uma sequência de mudanças efémeras, e os valores eternos perpetuam-se no exterior da História, são imutáveis e não precisam de memória. Husak é presidente do eterno, não do efémero. Está do lado das crianças e as crianças são a vida e viver é ver, ouvir, comer, beber, urinar, defecar, mergulhar na água e olhar o céu, rir e chorar.

Parece que quando Husak acabou de falar às crianças (...) Karel Gott avançou para o estrado e começou a cantar. (...) Nesse momento, o grande milagre do arco-íris desenhou a sua curva acima de Praga.

[...]

O idiota da música acabava a canção e o Presidento do esquecimento afastou os braços e começou a gritar: Meninos, viver, é a felicidade."


M. Kundera, O Livro do Riso e do Esquecimento

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