quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Baú de recordações (4)

Sr. José Angusto Seabra (PPD): “[…] Sendo um dos tradutores, em colaboração com Francisco Ferreira e Maria Listó, do volume I do livro Arquipélago do Gulag, do escritor russo exilado Alexandre Soljenitsine, para a Livraria Bertrand, detentora dos direitos da sua tradução em português, constato que até agora essa obra não foi publicada, apesar da entrega do original ter sido feita há vários meses. Entretanto, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, major Melo Antunes, declarou em 28 de Abril de 1975 à revista francesa Le Nouvel Observateur, que «houve, há alguns meses, certas dificuldades para editar O Arquipélago do Gulag, em razão da hostilidade oposta pelo pessoal das oficinas gráficas», acrescentando: «Isso chocou-me verdadeiramente: penso que o problema se resolverá sem demora. Não há, em todo o caso, obstáculo maior. Mas certos grupos infiltram-se nos sindicatos ou nos partidos e têm uma acção que pode prejudicar gravemente uma política cultural mais ampla e mais inteligente.»
Posteriormente, uma Comissão de Trabalhadores da Livraria Bertrand dirigiu uma carta aberta ao Dr. Mário Soares, publicada no Diário de Notícias, de 11 de Julho de 1975, em que se afirma: «...Temos em nosso poder uma carta das Éditions du Seuil datada de 29 de Maio de 1975, de que juntamos fotocópia, da qual traduzimos o seguinte texto (nós também sabemos francês): «Quando da sua recente passagem por Paris, uma personalidade oficial do Governo Português, Dr. Mário Soares, fez-se eco, numa entrevista com um jornalista de Le Monde, da proibição de facto que incide actualmente sobre a edição portuguesa do volume I do Arquipélago do Gulag. Não sendo esta decisão formalmente de natureza governamental, mas devida à iniciativa de comissões de pessoal no local em que o livro deve ser impresso...
As informações prestadas pelo Sr. Doutor a Le Monde são falsas, porquanto nunca esta Comissão de Trabalhadores se opôs à fabricação desse livro nas nossas instalações. O seu atraso deve-se a dificuldades na tradução, que, por exigência do autor e tradição desta casa, foi feita directamente do original (russo). Mais acrescentamos que estas declarações podem ser comprovadas pela administração da Livraria Bertrand, S. A. R. L. Coma se vê, a sua acção mentirosa e caluniadora, que pretende alcançar fins inconfessáveis, não se restringe às nossas fronteiras.»
Para além da difamação contra o Dr. Mário Soares, a cuja honestidade moral e política quero aqui prestar homenagem, há pelo menos uma frase desta carta que não corresponde à realidade. Na verdade, o atraso na publicação não se deve apenas às dificuldades de tradução do russo, dado que a entrega do original à editora começou a ser feita ainda em fins de 1974 e estava terminada em Março de 1975 (como posso comprovar por um recibo que tenho em meu poder).
De qualquer modo, como há discrepâncias entre as afirmações da Comissão de Trabalhadores da Bertrand e as do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, requeiro:
1.º Que me seja dado um esclarecimento sobre a situação exacta em que se encontra a edição do volume I do Arquipélago do Gulag;
2.º Que me seja dado conhecimento das declarações do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, para assegurar a publicação efectiva do referido livro;
3.º Que me seja indicado como pensa o Governo assegurar a liberdade de edição e expressão em Portugal.”

Debates Parlamento

via, Blasfémias



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