A decisão de reconhecer a independência da Osséssia do Sul e a Abecásia anunciada por Medvedev não foi uma surpresa. Surpresa, foi para os mais distraídos (entre os quais me incluo) a reacção de lançar contra a Geórgia o 58º exército. A partir desse momento, sabendo que a guerra estava vencida, a Rússia iria exigir o seu quinhão. Idealmente, a Rússia pretenderia o controlo do oleoduto e, a substituição das autoridades georgianas por outras que lhe fossem mais próximas e que não tivessem a veleidade de pretender aderir à U.E. ou, pior ainda, à NATO. Penso que ainda não desistiram totalmente deste objectivo e, não posso deixar de me lembrar que o anterior presidente georgiano – Shevardnadze– foi vítima de vários atentados, que o actual presidente ucraniano sobreviveu a uma tentativa de envenenamento, enfim, coisas que acontecem… de qualquer forma, e de acordo com a justificação escolhida para a intervenção, e com a aparente vitória da “linha dura” era natural que Moscovo viesse a fazer finca pé destas independências.
Ao fazê-lo desta forma cria vários problemas, internos e externos. A Rússia é um mosaico de povos. Dentro das suas fronteiras existem muitas comunidades que até agora viram negados os seus sonhos de independência por vezes, com uma brutalidade imensa. E agora, subitamente, a Rússia reconhece estes enclaves como Estados independentes… Os chechenos, e outros povos, irão certamente perguntar-se se não deverão erguer de novo a bandeira da independência.
Externamente*, o Kosovo (Sérvia**) , a Somalilândia (Somália), o Transdniester (Moldávia), a república de Nagorno-Karabakh (Azerbaijão), a república Árabe Democrática do Sahrawi Marrocos), Chipre norte (Grécia), Taipé (China), Estado Palestinano (Israel). E estes são apenas alguns, a que se poderiam juntar muitos outros a começar pelo Tibete… o reconhecimento do Kosovo e, agora da, Osséssia do Sul e Abecásia corresponde à abertura de uma caixa de Pandora que ninguém quer de facto abrir. Por isso, as probabilidades destes territórios serem internacionalmente reconhecidos a curto prazo, parece-me escassa. Na prática, o que vai acontecer é uma espécie de anexação encapotada que já existia dado que a maioria dos cidadãos destes territórios têm passaporte russo.
Mesmo admitindo que estes territórios reúnem as condições necessárias para serem reconhecidos como Estados soberanos (o que pela sua população, território e recursos é muito duvidosos e, comparativamente, as dúvidas relativas à viabilidade do Kosovo ficam esbatidas) resta saber quais os países que estariam dispostos a aceitar a aceitar esta violação do território da Geórgia, tendo em conta que alguns destes países têm problemas semelhantes, nos seus próprios territórios e, que não gostariam de ver abertos precedentes.
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* as comunidades russas residentes no estrangeiro irão ser consideradas potenciais ameaças o que constituirá um factor de agravamento das tensões regionais (ver arquivo do blogue).
** Belgrado é uma das vítimas deste conflito. A sua posição fica muito fragilizada dado que as comparações são inevitáveis. Belgrado, que contava com o apoio da Rússia na questão do Kosovo ao mesmo tempo que pretendia aderir à U.E., terá agora que se definir.
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2 comentários:
Hekate...
louvo a sua honestidade e franqueza mas quando você escreve "...foi para os mais distraídos (entre os quais me incluo)" é exactamente assim? A sério?!
Minha amiga... mas em que mundo é que julga que nada. Pensa que mudou assim tanto a ponto de um império deixar-se de o ser assim sem mais nem menos. Não me diga que acreditava mesmo que a Federação Russa é uma democracia? uma democracia daquelas à maneira ou do jeito que a gente nós (coitados) entedemos ou fazemos por isso? não me diga que você acreditava mesmo que a Rússia - ou outro qualquer - gastou o dinheiro que gastou, empenhou os militares e os meios que empenhou apenas e só porque gosta muito dos ossetas e dos abkases... como sempre gostou muito por exemplo, antes do 25 de Abril dos negros africanos ( dos brancos africanos se fossem brancos já não gostava tanto assim a não ser que fossem comunistas)...
Hekate, Hekate...
que foi uma pequenina decepção ai isso foi.
Não me pode condenar pela minha franqueza mútua e sincera.
Quem muito a considera
David Oliveira
PS:você entra na pastelaria para quê? para ver se os pasteleiros estão a trabalhar?!
Caro David, eu escrevi "distraídos", não escrevi "iludidos".
A natureza da Rússia enquanto potência continental não muda do dia para o outro. Mas o grave, não é que eu me distraía ou iluda... o grave é que muita gente se andou a iludir e para se iludirem não viram as atrocidades na chéchenia, não viram os homícidos de jornalístas, empresários, intelectuais, não se aperceberam da reemergência de movimentos xenófobos, não viram que as eleições na Rússia se transformaram numa formalidade ... e finalmente, não repararam que as forças de manuenção de paz na Geórgia se tinham transformado, elas próprias, num foco de conflito (...e foi neste particular que me distraí!).
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